Noticia de 9 de Abril de 2015
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in Publico)
A história dos Capitão Fausto e do diamante Syd Barrett
A banda de Pesar o Sol homenageia esta sexta-feira a música de Syd Barrett, que interpretará em mais uma sessão Black Balloon, no Lux, em Lisboa.
Os Capitão Fausto não farão uma reinterpretação das canções de Syd Barrett, antes “uma homenagem no verdadeiro sentido da palavra” DR
Syd Barrett é um dos músicos mais fascinantes da história da música popular urbana. Fundador, líder e compositor dos Pink Floyd nos primeiros anos, conduziu a banda, primeiro, a uma visão surreal da pop e encaminhou-a depois para um psicadelismo aberto a todos os estímulos, abrindo caminho ao space-rock, buscando em histórias infantis forma de transcendência, adaptando o free-jazz e a música de Stockhausen como poderoso fermento criativo.
Syd Barrett, o cometa que atravessou o cenário musical tão rápido quanto desapareceu, é um mito trágico e uma inspiração constante para quem veio depois dele. Os Capitão Fausto são mais um exemplo. Um exemplo especial. Esta sexta-feira estarão no Lux a homenageá-lo em mais uma sessão das noites Black Balloon. Serão antecedidos em palco pelos Cave Story, novo nome rock ’n’ roll vindo das Caldas da Rainha a que, pelo apresentado no EP de estreia, Spider Tracks, teremos que prestar toda a atenção. Os concertos têm início às 23h e os bilhetes custam 12€.
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A ideia de Pedro Ramos, radialista da Radar, era muito simples. Convidar bandas para reinterpretar um álbum histórico. Ao longo das anteriores vinte sessões Black Balloon ouvimos Walter Benjamin tocar The Queen is Dead, dos Smiths, Minta & Brook Trout viajar por Pet Sounds, dos Beach Boys, os You Can’t Win, Charlie Brown revisitar Velvet Underground & Nico ou Julie & The Carjackers a atirar-se aos Beatles de Revolver.
Os Capitão Fausto, uma das bandas mais interessantes a surgir no cenário português nos últimos anos, como o comprovam os dois álbuns editados, Gazela e Pesar o Sol, e a irrequietude que levou os seus membros, enquanto mantém a banda principal, a criar duas novas, Os Modernos e Bispo, conseguem fundir com mestria o prazer pela divagação psicadélica e refrães pop cuidadosamente trabalhados. Syd Barrett teria que ser nome em destaque no seu coração melómano.
E, portanto, a banda decidiu que fazer aquilo que inicialmente tinha pensado, revisitar The Pipper At The Gates of Dawn (1967), o seminal álbum de estreia dos Pink Floyd, não seria suficiente. “Como a obra do Syd Barrett é curta, achámos que faria sentido que a homenagem se concentrasse directamente nele”, explica o vocalista Tomás Wallenstein. No Lux não ouviremos apenas canções do primeiro álbum, mas também alguns dos singles iniciais, como o que iniciou toda a história dos Pink Floyd, Arnold Layne, e material de The Madcap Laughs e Barrett, os dois álbuns a solo, gravados após a saída de Syd da banda que fundara, quando se iniciava o colapso (especula-se que fruto do consumo excessivo de LSD, o que espoletou um quadro esquizofrénico latente) que o levou a recolher-se em Cambridge, no início da década de 1970, para, até à morte em 2006, aos 60 anos, não mais dar notícias de si ao mundo. De caminho, o músico genial dava lugar ao mito trágico.
Tomás não chegou a Syd Barrett pela via habitual. Normalmente, começa-se pelos clássicos posteriores dos Pink Floyd, como Dark Side of The Moon, e escava-se até descobrir aquele diamante cintilando no início da história. Caso se nutra um ódio visceral à banda, como era o caso das luminárias do punk dos anos 1970, Syd Barrett é a prova de que há pelo menos uma razão para venerar os Pink Floyd (e os punks veneravam Barrett). Através de um amigo, Tomás descobriu verdadeiramente os Floyd e Barrett ao mesmo tempo, numa altura em que começava a investigar a música para além da música, lendo sobre ela, tocando-a, descobrindo-lhe contextos e as intenções dos autores.
Os Pink Floyd posteriores, “apesar do Meddle [1971] ter muito boas músicas”, ressalva, nunca lhe disseram muito. Após a saída de Barrett, vê-os como mais ortodoxos. Em Syd Barrett agrada-lhe o imprevisto, as estruturas musicais surpreendentes: “[Na carreira a solo] como não queria cortar nas sílabas dos versos, os tempos tornam-se imprevisíveis, pouco naturais”. Interessa-lhe, antes disso, a “ingenuidade” dos primeiros singles: “Ainda não faziam bem ideia do que era ter uma banda, estavam a apalpar terreno e a receber diversos estímulos e, de repente, fazem aquele single, Arnold Layne, que se mantém completamente actual”.
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Ao mergulharem nas canções, os Capitão Fausto perceberam rapidamente que parte do processo de preparação do concerto teria que ser estático. “À partida, numa canção as partes repetem-se. Nos Pink Floyd de Syd Barrett não há partes iguais. Por isso, parte da preparação passou por estar no sofá do estúdio a ouvir as canções dezenas de vezes e a tirar notas”. Fala-nos então de Flaming, de Pipper At The Gates of Dawn, “uma anti-canção, com o órgão e todos os instrumentos às voltas sobre si, que se transforma numa canção pura”. Conta como, no processo de desconstruir as canções, se apercebeu de que o baixo de Roger Waters “se está a borrifar para as regras da escola do instrumento e, em vez de apoiar a banda, se concentra em criar melodias”. Confessa que Madcap Laughs é o álbum de Syd Barrett que tem mais próximo e de como nele se ouve “o início do seu descarrilamento, mas ainda consciente dele: tem uma certa revolta auto-crítica”.
Tomás Wallenstein está entusiasmado. A sua banda vai tocar Syd Barrett, vai homenagear os Pink Floyd de Syd Barrett no ano em que a banda comemora 50 anos de existência. Não vamos ouvir uma reinterpretação, antes “uma homenagem no verdadeiro sentido da palavra”: “Quem somos nós para dizer como deveriam soar hoje aquelas canções?”, questiona. “É mais interessante ressuscitar aquela banda, mas com as suas canções tocadas por outras pessoas, noutra época, noutro país”. Descontextualizar contextualizando. Syd Barrett gostaria da ideia.
Se fosse eu a mandar mudava já o nome desta banda para Os Incríveis Capitão Fausto.
E incrível é de facto o primeiro adjectivo que me vem à cabeça depois de ouvir o novo álbum “Pesar O Sol”.
Depois de “Gazela”, um extraordinário primeiro álbum em que a banda sintetizava as suas influências e ao mesmo tempo recolhia de forma urgente algumas das texturas da paisagem indie rock de então, os Capitão Fausto regressam agora em 2014 com um álbum igualmente urgente mas mais focado em direcção ao Universo sónico que faz vibrar o grupo desde a sua génese.
Em “Pesar O Sol” prosseguem os ritmos frenéticos e os riffs acutilantes de uma banda jovem vibrante mas, ao mesmo tempo, já se encontram os pormenores que fazem deste conjunto de temas um trabalho mais maduro. Seja pela produção mais detalhada como pelos mais variados sons, tanto nas guitarras como nos órgãos e até nas reverberações com que a voz do Tomás é tratada. E claro, os longos instrumentais que povoam as canções são simplesmente inacreditáveis, com inúmeras alterações de ritmos, com a banda a revelar todo o seu talento e técnica. Pujança extrema na bateria de Salvador Seabra, guitarras másculas de Manuel Palha e Tomás Wallenstein, baixo seguro de Domingos Coimbra e os órgãos cósmicos de Francisco Ferreira.
Em textos deste género costuma-se chamar a atenção para a arma secreta da banda. Neste caso apetece dizer que todos são a arma secreta, cada elemento com o seu momento para brilhar, mas uma verdadeira máquina no todo.
E nas nove músicas e respectivos 49 minutos, os Capitão Fausto ditam as regras logo desde início, colocando-se em ombros de gigantes do piscadelismo e rock progressivo dos anos sessentas e setentas, internacionais e nacionais. Ouvem-se ecos do Quarteto 1111, do José Cid progressivo, dos Pink Floyd, King Crimson ou Gentle Giant. Os Fausto coabitam também sem qualquer problema com as cores de uns Tame Impala, Flaming Lips ou com o kraut juvenil dos TOY.
Mas todos estes nomes são pequenas coordenadas para um mundo mais vasto que os Capitão Fausto apresentam, distantes planetas que apontam para o futuro e que ao mesmo tempo assentam firme numa ideia muito própria de portugalidade. A banda nunca fica refém das suas inspirações, pelo contrário, parte desse porto para outras paragens, definindo-se a cada segundo que passa de cada tema.
Aqui não há medo das convenções, do poderio editorial de qualquer selo discográfico. Não! Em “Pesar O Sol” existe só a vontade em arriscar, em ir mais longe, desafiando o típico single de três minutos ou estrutura clássica de uma canção que procura com insistência os refrões. Neste novo álbum, a banda faz uma persistente pesquisa sónica, desafiando-se nessa exploração até ao limite. Basta ouvir logo a entrada do disco em “Nunca faço nem metade”, com a bateria a cavalgar por cima de riffs poderosos e sons de órgão espaciais. Escute-se por exemplo “Flores do Mal” e a sua recta final com um uma composição de guitarra a pensar em qualquer meditação cósmica, isto depois de quatro minutos de rock intenso e progressivo. Ou coloque-se “Lameira” em repeat, com os seus oito minutos divididos por diferentes sequências, com a mestria e técnica de cinco jovens que passaram claramente para outro nível.
São muitas as dinâmicas no álbum, que nunca descansa quem o ouve. Em todas as esquinas há uma surpresa para escutar com atenção, seja a tentar decifrar as letras do Tomás ou a viajar para outra dimensão com os longos instrumentais que às vezes desejava que não acabassem, qual mantra curativo.
Os Capitão Fausto fizeram uma obra intemporal e que abre o futuro do grupo em todas as direcções. Tudo é possível e acredito que com eles tudo será. Não há muito mais a dizer… basta carregar no play e embarcar na trip colorida dos Capitão Fausto. E pesar o Sol é exactamente uma meta possível para a criatividade destes cinco rapazes que a partir de agora passarei a chamar de Os Incríveis Capitão Fausto.
(in
Sony Music Portugal)